Afirmação da soberania e a trégua com Trump

O Brasil não apenas voltou à cena internacional, mas também é um país soberano com voz ativa nos principais assuntos

por Danilo Sorato*, em Le Monde Diplomatique Brasil

No discurso realizado na Assembleia Geral da ONU, Lula apresentou as credenciais da política externa de seu governo 3.0, enfatizando a defesa do multilateralismo, a solução de controvérsias, e em especial, a autodeterminação dos povos. Mas também apontou na direção de uma possível política externa 4.0 em consonância com a distensão com Donald Trump.

De Lula 3.0 para Lula 4.0

Quando assumiu em 2023, Lula da Silva prometeu resgatar o protagonismo do Brasil no mundo. Esse discurso foi realizado durante a Assembleia-Geral da ONU de 2023, cuja ênfase também esteve em defender a democracia após os atos golpistas de 8 de janeiro. O discurso era o “Brasil está de volta”.

Em dois anos, o Brasil voltou à cena com a defesa de uma agenda baseada na paz em conflitos internacionais, na pauta do meio ambiente e da cooperação. Essa agenda foi consagrada no recebimento de grandes eventos, tais como, o G-20, o Brics+ e a COP-30.

Lula 4.0: a defesa da soberania e da autodeterminação dos povos

Ao conquistar o objetivo de retomar o protagonismo na cena mundial, a política externa de Lula mudou o seu eixo de rotação. No discurso feito na Assembleia Geral neste dia 23, o presidente da República assinalou para o mundo que o Brasil é um país democrático, no qual as suas instituições funcionam ao combaterem a tentativa de golpe de Estado. Essa ênfase reforça o papel do país enquanto uma democracia vibrante e potente. Defendeu-se a política global de combate à fome, a paz nos conflitos no Oriente Médio e a defesa intransigente do meio ambiente.

O discurso de Lula vai na direção oposta dos Estados Unidos. O antigo berço da democracia moderna, além de não conseguir punir tentativas de golpe, como o 6 de janeiro de 2021 no Capitólio, tornou-se um lugar em que sua autoridade máxima, Donald Trump, articulou um discurso que reforça o unilateralismo, a intervenção em assuntos internos de outros países e a retomada da “força dos Estados Unidos” no mundo.

Lula e Trump: da tensão à química

Os discursos da Assembleia Geral trouxeram um efeito político muito interessante para o Brasil. Após dois meses de tensão máxima com os Estados Unidos, Donald Trump deu sinal verde para um diálogo com Lula. Ao elogiar publicamente a “química” com o presidente brasileiro, e afirmar que na semana que vem eles podem se encontrar, abre-se uma porta de negociação que antes não havia.

Possivelmente, o encontro bilateral deverá trazer resultados para a relação Brasil-Estados Unidos, o que mostra o sucesso dos esforços coletivos impostos pelo governo para conseguir negociar as tarifas de exportação impostas contra os produtos brasileiros. É um primeiro passo para que as conversas políticas sejam mais profícuas entre as duas partes.

É inevitável dizer que não se pode duvidar da capacidade de negociação brasileira e de Lula. Poucos conseguiram ser chamado de “o cara” por Barack Obama e possuir “química” com Trump, figuras tão díspares na política norte-americana. O Brasil não apenas voltou à cena internacional, mas também é um país soberano com voz ativa nos principais assuntos globais.

*Professor de História e Relações Internacionais. Doutor em Estudos Estratégicos pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Pesquisador do Laboratório de Política Externa Brasileira (LEPEB/UFF) e Pesquisador do Centro de Estudos Estratégicos e do Planejamento Espacial Marinho (CEDEPEM/UFF/UFPel).  Escreveu diversos artigos acadêmicos e jornalísticos sobre as relações internacionais do Brasil, em especial os governos Temer, Bolsonaro e Lula.

Presidente Lula durante a abertura do Debate Geral da 80ª Assembleia Geral das Nações Unidas. Foto: Ricardo Stuckert/PR

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